Por Gabriela Lobo
Quando a gente lê o título acima parece até um pouco óbvio constatar isso. Mas será que a gente se apercebe da quantidade de formas de comunicar, para além do que pode ser verbalizado ou escrito, que fomos capazes de produzir? Será que a gente consegue identificar essas mensagens ao nosso redor?
Sei que já falamos muito por aqui sobre nossas viagens ao Marajó, no Pará, por conta do projeto Marajó Resiliente, mas é que lá é um lugar tão rico, tão diverso, que são inúmeras as formas que aprendemos com ele.

Neste semestre, estivemos algumas vezes no território, e ficamos encantadas com as formas e cores dos traçados marajoaras, que parecem decorar cada canto do arquipélago.
Esse encantamento triplicou em mim, particularmente, quando fui ao município de Soure, e pude conhecer o ateliê Artefato M’barayo, onde Carlos Aruã - um dos últimos representantes do povo indígena Aruã - mantém a tradição ceramista ancestral que aprendeu com sua avó e repassa pros seus filhos e netos.

Ali eu aprendi que aqueles traços que representavam rios, animais e formas geométricas eram muito mais do que pareciam ser. São códigos visuais e iconográficos que fazem parte de um sistema linguístico, onde cada símbolo possui uma mensagem e cada combinação desses símbolos produz uma intenção diferente. No ateliê, cada artefato possui uma legenda ao lado, explicando qual a intenção que existe naquele item. Alguns trazem saúde e fertilidade, outros beleza, ou abundância, ou proteção… As combinações e intenções são inúmeras e nada é ao acaso. Existe ali uma técnica ancestral desde a modelagem e cores do barro, ao desenho dos símbolos imbuídos de significados, que reafirmam, transmitem e perpetuam a visão de mundo de um povo.

Apesar do apego e admiração do povo local pelo grafismo marajoara, o significado ancestral desses símbolos, ou até o traçado da iconografia em si, não é de seu conhecimento. Isso me fez pensar em outras linguagens que nos cercam e que ao longo da história foram apagadas pelo processo de colonização, ou são desconhecidas, pela população em geral.
Como o Adinkra, por exemplo, um ideograma de origem africana que aqui no Brasil foi amplamente usado no que foi produzido pelas mãos do povo negro. Eram como mensagens escondidas deixadas como fonte de resistência e força. Um dos símbolos mais conhecidos desse ideograma é o Sankofa. Ele nos fala sobre a sabedoria de saber de onde viemos, aprender com o passado, para construir o futuro. E acho notável quão atual e necessária é essa mensagem e que seja justamente esse o símbolo mais reconhecido dessa linguagem.

Eu espero que a gente aprenda a escutar e valorizar o legado de quem veio antes e que de fato construiu esses territórios. A distorção, a ocultação e a ausência de informações sobre nossa história e cultura representam um desrespeito às nossas origens e a identidade do nosso povo, um apagamento de nossa memória, que ainda resiste com muita luta.
Aqui na Angola Comuniação, além de saber que comunicação se faz com o corpo todo, procuramos cultivar ativamente as memórias de nossos povos. Estamos sempre em busca de referências de linguagens diversas e trabalhamos elas não apenas nos nossos textos e roteiros, mas também nas escolhas de cada cor, cada elemento e cada som que compõem nossos materiais de comunicação.
A cada ano que passa e a cada lugar e pessoas novas que conheço, a máxima “eu só sei que nada sei” faz mais sentido para mim. E que bom! Reconhecer nossa ignorância é o primeiro passo fundamental pela busca do saber. Uma jornada que, creio eu, é sem fim.
* Gabriela Lobo é publicitária, produtora, integrante da equipe da Angola Comunicação, e há mais de 15 anos transita em áreas diversas da comunicação.
Fontes:
Naya - Notícias de Antropologia y Arqueologia - “Iconografia Marajoara: Uma Abordagem Estrutural” - https://naya.com.ar/articulos/marajop.htm
Saraus de Resistência - Símbolos Adinkra: https://saraus.com.br/simbolos-adinkra.html
Governo do Pará - Museu do Marajó: https://museus.pa.gov.br/museus/163/museu-do-maraj
M’barayó - Alma da terra: https://www.instagram.com/mbarayoalmadaterra/
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