Por Catarina de Angola | Diretora Executiva da Angola Comunicação
No começo do segundo semestre deste ano, estive na exposição “OSGÊMEOS: Nossos Segredos”, no Recife, que resgata a trajetória dos irmãos e artistas Gustavo e Otávio Pandolfo. Você os conhece e a exposição? Ela tem circulado por algumas capitais do Brasil, e já foi vista por mais de 1 milhão de pessoas. São mais de 800 obras com pinturas, instalações, murais, esculturas, um universo de cor e arte incrível.
Eu fiquei bem impactada com a exposição, com sua diversidade de formatos apresentados, cores, etc. Eu sou fã da estética do pixo e do grafite. Para mim são linguagens que expressam, especialmente nas ruas, identidades de quem as constrói. Cresci, me criei e ainda vivencio a periferia do Recife. Então, essas são formas de expressão que também fazem parte da minha formação.

Grafite Os Gêmeos. Foto: reprodução
Mas logo no começo, o que me chamou atenção, para além das cores e do universo ali formado, foram os detalhes de como aquela história estava sendo contada. A trajetória dos Gêmeos foi exposta desde os seus primeiros rabiscos até os registros em imagens dos grandes painéis pintados ao redor do mundo.
Eu fiquei muito impressionada com a riqueza de material que foi preservado desde o início da atuação deles. Desde fotos enquanto ainda crianças, esboços, pinturas em camisas, exercícios de escola. Uma riqueza grande de detalhes para contar a evolução do traço, o universo único que criaram e o que os influencia até hoje. Uma aula sobre os artistas, uma curadoria e direção de artes incríveis, além de muita informação sobre o grafite e também o rap. E sobre construção de memória. Recomendo a visita a quem tiver a oportunidade de vê-la.
Mas o que pegou logo no começo da exposição, quando vi aquelas centenas de registros foi a seguinte questão: Quem tem direito à memória? Comecei a rascunhar esse texto lá mesmo enquanto passeava pelas obras, ao menos as ideias centrais que ali já me tocavam, que faziam naquele momento a minha cabeça fervilhar.
Quem consegue fazer isso no Brasil com intenção? Eu sei, nem todo mundo guarda tudo. Mas quem pode escolher guardar essas memórias?Quantas famílias de pessoas negras não sabem nem quem foram seus antepassados? Quantas pessoas já nasceram em situação de rua e nunca tiveram um lar para chamar de seu? Quem são as pessoas que periodicamente veem suas casas levadas pelas enchentes, pelos alagamentos, frutos da exploração sem medidas do meio ambiente por grandes empresas e indústrias, pela consequência dos latifúndios de monoculturas? A consequência de empreendimentos como as implementações de grandes barragens que já afogaram tantas histórias? Quantos territórios indígenas foram invadidos e sua população massacrada? Quantos quilombos, e suas memórias de resistência, foram destruídos? Quantas histórias de revoltas populares não foram contadas em nossos livros? Não ensinadas nas escolas?
Eu mesma poderia ficar aqui fazendo várias perguntas, muitos exemplos e fazer referência a vários contextos.
Se formos para um contexto mundial, muitas outras histórias também deixam, por vezes intencionalmente, de serem contadas ou são literalmente apagadas, como a história de resistência do Haiti, primeira nação independente do Caribe e o primeiro país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão. Sendo liderado majoritariamente pela população negra. Mas hoje vive uma escalada de violência estimulada por agentes externos. E a Palestina, em que seu povo segue sendo massacrado e sua história e seu território vem sendo literalmente apagados do mapa. E estamos assistindo isso acontecer ao vivo nos últimos dias. Quem tem direito à memória?

Equipe da Angola Comunicação registrando histórias do Projeto Ibura Empoderado, iniciativa da #AgendaUnicef
Enquanto agência que atua no campo da comunicação, refletimos todos os dias sobre o papel da comunicação nessa estrutura, nesses contextos. Valorizamos contar essas histórias e sabemos que a comunicação tem papel estratégico, político e importante de espalhar memórias. Atuamos para que mais histórias sejam contadas, mais memórias sejam guardadas e multiplicadas, mas também para que o acesso a elas seja possível, seja conhecido. Acreditamos na comunicação como direito humano, no acesso à informação, mas também na possibilidade de cada vez mais gente produzir. Nesta Semana pela Democratização da Comunicação, nós buscamos que esse acesso de sistematização e de democratização esteja ao alcance de todas as pessoas. Porque sem democratização da comunicação, não há de fato democracia.
A gente pode te ajudar a contar suas histórias!
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