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Um pouco da nossa última ida ao Marajó

Foto do escritor: Angola ComunicaçãoAngola Comunicação

Por Anna Terra*


 “Como foi lá na Ilha do Marajó?”, algumas pessoas me perguntaram quando eu voltei de viagem. E a primeira coisa que eu faço quando escuto essa pergunta é dizer que o Marajó não é uma ilha. É o maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo. São quase 3 mil ilhas, e pra chegar em algumas delas são dias e mais dias de barco. Essa informação geralmente faz algumas pessoas arregalarem os olhos. De fato, falar do Marajó é falar de uma diversidade imensa, de pessoas, de biodiversidade, de paisagens, de estilo de vida, de crenças e de lutas.


Nós da Angola Comunicação estamos fazendo a comunicação do projeto Marajó Resiliente, da Fundação Avina em parceria com o Instituto Belterra, Instituto Conexsus e Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), e este projeto elegeu três municípios para realizar suas atividades: Salvaterra, Soure e Cachoeira do Arari. Então, não posso dizer que conheci o arquipélago, mas posso dizer que visitei um pouco desses municípios. E é a partir daí que vou contar um pouco dessa história.


Município de Salvaterra, em frente à Colônia de Pescadores, na margem do Rio Paracauari. Foto: Harrison Lopes/ Angola Comunicação
Município de Salvaterra, em frente à Colônia de Pescadores, na margem do Rio Paracauari. Foto: Harrison Lopes/ Angola Comunicação

Primeiro, para sair de Recife para o Marajó a gente precisa de planejamento e organização operacional e financeira. Para isso, nós realizamos internamente várias conversas coletivas, assim como fazemos para tudo que nos promopos aqui na Angola, para agendar vôo, marcar hospedagem, conseguir comprar as passagens de balsa pra ir, de lancha pra voltar, fechar com uma taxista parceira os deslocamentos em terra, prever a alimentação da equipe durante os deslocamentos, alinhar os horários com as outras pessoas, enfim, é bastante coisa. Mas algo que nós sempre prezamos por aqui é a segurança e o bem estar da equipe, e é muito bom sentir que cuidamos umas das outras nesse processo.


Dessa vez, nós fomos ao Marajó para realizar entrevistas com algumas pessoas do projeto e das organizações, captar imagens dos municípios e fazer a cobertura de uma das atividades do projeto que estava acontecendo. Então, entre uma atividade e outra, eu estava atenta ao telefone marcando com as pessoas nos diferentes territórios para visitar suas casas e fazer essas conversas. Conflitos de agenda e imprevistos aconteceram, mas nós conseguimos conversar com quase 20 pessoas, e pudemos ouvir muitas histórias.


Entrevista coletiva com lideranças do Quilombo do Rosário, em Salvaterra. Foto: Harrison Lopes/ Angola Comunicação
Entrevista coletiva com lideranças do Quilombo do Rosário, em Salvaterra. Foto: Harrison Lopes/ Angola Comunicação

Eu estou compartilhando aqui esses detalhes porque para passar 5 dias captando imagens e entrevistas no território, a gente precisa de um planejamento prévio de muitos dias e muitas horas de trabalho, de muito diálogo entre todas as pessoas envolvidas e de muitos ajustes para conseguir encaixar tudo que precisamos e tudo que é possível no roteiro. Às vezes o planejamento é um trabalho invisível nos projetos e nos processos, e eu enquanto planejadora estou aqui para dizer: é a nossa capacidade de se planejar que promove a nossa resiliência diante dos imprevistos.


O Marajó de outubro estava bem diferente do Marajó que visitei em agosto. Muito vento, muita seca, a paisagem e os olhares diferentes. Mesmo as pessoas que estão nos centros urbanos do arquipélago e que não trabalham no campo, são pessoas bem mais conectadas à natureza do que as pessoas que conheço no continente. O Marajó é hoje um dos lugares mais vulneráveis em relação à crise das mudanças climáticas, e ver na prática o quanto isso está impactando o arquipélago é impressionante. O que a gente vê faz cenário para o que ouvimos de agricultoras e agricultores.


Ramal que atravessa os pastos de boi e búfalo, em Cachoeira do Arari. Foto: Anna Terra / Angola Comunicação
Ramal que atravessa os pastos de boi e búfalo, em Cachoeira do Arari. Foto: Anna Terra / Angola Comunicação

Quando nós atravessamos para Cachoeira do Arari a mudança de cenário é drástica. Hectares e mais hectares de desmatamento, a perder de vista. Pasto aberto para bois e búfalos magros por só terem capim seco para comer, e que não encontram uma árvore sequer para se proteger do sol escaldante. Vimos um búfalo caído, morto de fome, servindo de alimento aos urubus. O que não é pasto, é plantação de arroz, que desmatou hectares de mata nativa e desviou o curso do rio para garantir água para a monocultura do grão.


São quilômetros de estrada com essa vista aberta, sem o relevo de uma copa de árvore no horizonte. Foi quando nós entramos no Quilombo do Gurupá, e a paisagem mudou completamente. Entramos em uma área de floresta em pé e deu pra sentir a mudança na temperatura na mesma hora. Pudemos ver na prática a importância do reconhecimento das comunidades tradicionais para a preservação da biodiversidade.


Quilombo do Gurupá, em Cachoeira do Arari. Foto: Anna Terra / Angola Comunicação
Quilombo do Gurupá, em Cachoeira do Arari. Foto: Anna Terra / Angola Comunicação

Conversando com algumas pessoas no Quilombo, a história é de muita luta contra grandes e poderosos fazendeiros, que querem lotear todo o Marajó para transformar em pasto e monocultura, desmatando não apenas a floresta, mas também a esperança daquelas pessoas que têm suas raízes ancestrais no território. São histórias de violência e perseguição, mas são também histórias de resistência e resiliência do povo. Ver, e registrar, tudo isso de perto é muito emocionante. E é por isso que eu amo trabalhar com comunicação. Porque ter a oportunidade de viver essa experiência para compartilhar com o mundo através do projeto Marajó Resiliente é muito gratificante.


Salvaterra é o município do arquipélago com o maior número de comunidades quilombolas, e uma grande esperança de preservação do território.


Em Soure, conhecida como a capital do Marajó e um dos lugares mais turísticos da região, nós atravessamos campos naturais alagados belíssimos, por onde cruza a estrada estadual PA-154, mas onde demos de cara com portões fechados, de grandes fazendas que privatizam o acesso a única estrada estadual que conecta lugares estratégicos e importantes do município.


Mas isso é outra história, porque as lutas são muitas e diversas.


PA-154 e os campos naturais de Soure. Foto: Harrison Lopes/ Angola Comunicação
PA-154 e os campos naturais de Soure. Foto: Harrison Lopes/ Angola Comunicação

Esse breve relato da nossa experiência de gravar no Marajó é apenas para dizer que cada vez que pisamos lá, saímos transformadas de alguma forma. Transformadas pelas histórias que ouvimos, pela recepção carinhosa que recebemos, pelas experiências culinárias que nos são ofertadas, pelos aprendizados ancestrais que nos são passados, e tudo isso faz com que a gente saiba que estamos do lado certo da trincheira nessa luta por justiça social e climática. E que a comunicação está em todas as partes desse desafio.


Bastidores da entrevista na casa de dona Encilente, em Soure. Foto: Harrison Lopes/ Angola Comunicação
Bastidores da entrevista na casa de dona Encilente, em Soure. Foto: Harrison Lopes/ Angola Comunicação

E pelo sorriso dá pra ver que o desafio é grande, mas que a gente se diverte e gosta do que faz, né?


Seguimos!


*Anna Terra é publicitária, coordenadora de comunicação na Angola Comunicação, e tem vinte anos de experiência na área de comunicação.

 
 
 

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